Neste 21 de setembro em que se rememora a data da morte de Arthur Schopenhauer, em 1860, diga-se isso. Por dois motivos: um doutrinário, outro de ocasião.
Doutrinário. De fato, no cerne da sua metafísica encontra-se a nomeação de uma Vontade cósmica, atividade que anima a todos os seres, em sua ânsia de vida. Essa Vontade está inteira e indivisa, diz, tanto em um carvalho quanto em um milhão deles. É o assim chamado monismo da Vontade, que seria a essência nossa e do mundo.
Conforme esse monismo, quando alguém morre, a sua individualidade permanece, pois esta é um ato da Vontade cósmica imperecível que pode reaparecer em outro humano ou animal, sem consciência de sua vida pretérita. Sendo assim, ninguém morre, somos como a folha da árvore, que cai agora, mas retorna na próxima primavera na mesma árvore.
Portanto, doutrinariamente, Schopenhauer não morreu.
O motivo de ocasião. Num mundo assolado pela hipocrisia sistêmica, em que parecer ser vale mais que ser, nada mais salutar que reler o grande mestre da suspeita, o mestre do desmascaramento que foi o filósofo germânico.
Filósofo que descobriu a dimensão das motivações inconscientes por trás das aparências;
filósofo da metafísica do amor sexual;
que não gostava do Antigo Testamento, demasiado vingativo, e elogiou no Novo Testamento, devido à virtude da compaixão;
que dizia que era preciso ter cuidado ao negociar com padres e mulheres, duas classes muito inteligentes na mesa de trocas;
que disse que o caráter é imutável, com o que a criança é o pai do adulto, mais ou menos no sentido de quem diz: pau que nasce torto, morre torto;
que concebia o humano como naturalmente mau, a ponto de matar um irmão para engraxar o próprio sapato com a banha dele;
que acreditava que o humano originário era negro e não branco;
que vislumbrou as viagens de turismo como fuga do tédio;
que elogiou a prudência de vida (nem tanto ao mar, nem tanto à terra);
precursor da ética animal;
etc.
Numa época de tantos lugares-comuns do politicamente correto que descamba em posturas rígidas e engessadas, inclusive nos meios intelectuais, é salutar a liberdade de pensamento e opinião no uso público do discurso. Nesse sentido, nada mais adequado que um filósofo que se orgulhava de ser o mestre do desmascaramento.
Raul Seixas não morreu. Elvis Presley não morreu. Belchior não morreu. Schopenhauer também não morreu.