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Impressões sobre a vida e seus arredores

O gato

Pode existir maior beleza?

Por Raul Drewnick
Atualização:

pixabay Foto: Estadão

Débora parou o carrinho de compras ao lado do carro. Estava começando a enfiar os produtos no porta-malas quando ouviu o miado. Era um gato pequeno, um filhote. Tigrado, como ela gostava. Ele a observou esvaziar o carrinho e fechar o porta-malas. Só então miou de novo, como se tivesse aprovado toda a operação. Débora fez-lhe um agradinho e recebeu em troca um rom-rom. Entrou no carro e bateu a porta:

"Tchau, gatinho."

Não tinha percorrido dez metros quando, ao olhar pelo retrovisor, viu que o gato tentava acompanhar o carro. Ela brecou:

"O que foi, gatinho?"

Ela havia aberto um pacote de biscoitos. Pegou um deles e o atirou pela janela. O gato não se interessou.

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"O que você quer?", ela perguntou, aflita. "Entrar?"

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Assim que ela abriu a porta, o gato pulou para dentro e, como se andar de carro fosse rotineiro para ele, acomodou-se no banco de passageiro.

"Bom, parece que eu tenho um gato", Débora disse em voz alta.

Ela morava sozinha e, depois do entusiasmo inicial, se pôs a pensar nos transtornos que o gato lhe traria. Felizmente estava em férias e teria algum tempo para ver se daria certo. Desde o instante em que entrou no apartamento, o gato mostrou que estava disposto a ficar. Comeu umas bolachinhas e, afofando o sofá, dormiu.

Na manhã seguinte, Débora não entendia como podia ter vivido tanto tempo sem ele. Mas já estava certa de que não suportaria viver sem ele um dia sequer.

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Uma semana depois de adotá-lo, ela voltou ao supermercado. Ao estacionar, viu, numa faixa pendurada, um apelo a todos os que pudessem dar informações sobre um gato desaparecido.

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Débora gelou. Abriu a bolsa, pegou o bloquinho e anotou o celular. A partir daí, perdeu a noção de tudo. Não comprou nada no supermercado. Voltou para o apartamento e abraçou o gato com tanto ímpeto que receou tê-lo sufocado.

Ela estava diante de um drama de consciência. A faixa no supermercado falava de uma menina doente. Talvez fosse mentira, mas... Ela sentiu que, se hesitasse um pouco mais, mandaria ao diabo todos os escrúpulos e ficaria com o gato. Pegou o número do celular. Ligou. Uma voz adolescente atendeu. Débora pensou em desligar. Se queimasse por toda a eternidade no inferno, certamente não seria a única.

"Alô, alô", repetiu a voz.

"Quem fala?", perguntou Débora, ainda vacilante.

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"Évelin. Quem é?"

"Aqui é Débora. Você não me conhece, Évelin. Estou ligando porque... É sobre um gato."

"Ah, graças a Deus. Você achou ele?"

"Achei."

"Ah, graças a Deus. Ele está bem?"

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"Está, sim."

"Graças a Deus", disse Évelin pela terceira vez, irritando Débora. Por que Deus estava do lado da garota, provavelmente uma boboca, e não do lado dela?

"Qual é o nome dele, Évelin?"

"Branquelo."

"Como? Não entendi."

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"É Branquelo."

"Mas Branquelo por quê?"

"Pela cor. Ele não parece uma bolinha de algodão?"

"Não. Ele é tigrado."

"Tigrado?"

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"É."

Débora puxou o gato para o colo e começou a pular de alegria. Foi com um pouco de vingança na voz que ela disse:

"Graças a Deus, graças a Deus não é o seu gato, Évelin. É o meu, o meu!"

 

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