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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Você sabe quem venceu o debate

Aposto que se fizéssemos um teste cego, colocando as propostas e discursos escritos num telão, sem dizer quem era o autor da frase, teríamos um grande empate - ao menos entre os principais candidatos. (...) Mas você deve ter visto claramente se sair melhor aquele que já contava com sua simpatia; isso porque foi ele que mobilizou mais suas memórias e afetos, influenciando fortemente sua forma de interpretar o que via. Mas não se engane: como a Coca e a Pepsi, eles são todos muito mais parecidos do que suas propagandas querem nos fazer crer.

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Atualização:

Calma, não vou dizer ainda que venceu o debate eleitoral. Antes, diga a verdade - mesmo sem ler qualquer análise sobre a performance dos candidatos você já sabia quem tinha se saído melhor, não é verdade? Ainda que tenha visto só um pedaço, foi suficiente para ter uma convicção. Para ser sincero, mesmo que você nem tenha visto, está lendo esse texto já com um bom palpite sobre quem teve o melhor desempenho, certo?

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E aí? Você sabe quem venceu, não? Um minuto, já chegamos à resposta.

Antes quero contar sobre um estudo que investigou outra disputa famosa pela escolha do público - o debate Coca versus Pepsi. Há exatos 10 anos os cientistas resolveram investigar porque as pessoas demonstram preferência tão forte por um ou outro desses refrigerantes, se no fundo eles são tão parecidos. Nesse ponto os leitores fãs de um deles já devem estar reclamando, mas o que a experiência mostrou foi que no teste cego, quando os voluntários não sabiam o que estavam tomando, havia empate entre as bebidas (independente do que eles gostavam mais). Quando eram reveladas as marcas, aí as preferências faziam diferença. Mas mesmo quando os pesquisadores ofereciam apenas uma das bebidas em copos com ou sem identificação, as pessoas achavam mais gostosa a bebida com o logotipo à mostra. Comparando a atividade cerebral desses voluntários, descobriu-se que no teste cego, uma área chamada córtex pré-frontal ventromedial (VMPFC) era mais ativada. Essa região está envolvida principalmente com prazer e recompensa, e estes pareciam ser mesmo iguais para os dois refrigerantes nos testes cegos. A grande diferença se deu quando os voluntários sabiam o que estavam tomando. Nesses casos havia também uma ativação do córtex pré-frontal dorsolateral (DLPFC) e do hipocampo, mais intensa no caso da Coca. Essas regiões são associadas respectivamente ao controle mental mais sofisticado e associação de ideias, no caso de DLPFC, e às memórias declarativas e afetivas, no caso do hipocampo.

Traduzindo esses resultados, o que ficou comprovado foi que no teste cego praticamente só o sabor açucarado da bebida é relevante - e nesses casos Coca e Pepsi têm o mesmo gosto. Mas a partir do momento em que sabiam qual bebida era, fatores de outra ordem (lembranças, escolhas) entravam no jogo, e a expectativa alterava a percepção de sabor. A grande preferência por um dos refrigerantes, fica claro, não tem a ver com sua essência, mas com a embalagem cultural que a propaganda vem construindo ao longo das décadas.

Voltando à política, aposto que se fizéssemos um teste cego, colocando as propostas e discursos escritos num telão, sem dizer quem era o autor da frase, teríamos um grande empate - ao menos entre os principais candidatos. Mas o fato é que as pessoas já trazem suas preferências claras antes de o debate começar, e isso influencia sua percepção da performance dos candidatos.

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Por isso você sabe quem ganhou. Você deve ter visto claramente se sair melhor aquele que já contava com sua simpatia; isso porque foi ele que mobilizou mais suas memórias e afetos, influenciando fortemente sua forma de interpretar o que via. Mas não se engane: como a Coca e a Pepsi, eles são todos muito mais parecidos do que suas propagandas querem nos fazer crer.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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