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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Trauma de guerra - sem guerra

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Em menos de três dias mais dois casos de tiroteios dentro de lugares públicos assustaram novamente os americanos, em Los Angeles e Nova Jersey. Um dos grandes problemas que podem se seguir a esses eventos é o transtorno do estresse pós-traumático. Associado inicialmente a soldados, que voltavam para suas casas abalados após testemunhar os horrores da guerra, a crescente violência urbana tem tornado desse problema uma realidade cotidiana.

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Como já abordamos anteriormente, embora seja importante tentar compreender as motivações e fatores de risco por trás dos crimes em massa, quando fixamos atenção aos criminosos corremos o risco de deixar de levar em conta a saúde mental das pessoas que testemunham o crime.

No caso dos crime em massa há uma dificuldade adicional na avaliação do impacto do evento: os diferentes graus de exposição das pessoas envolvidas. Há aqueles que testemunham tudo e sobrevivem, há os que vêem de longe sem entender bem o que está acontecendo, há pessoas que perdem colegas de trabalho, e outros que passam pela incerteza de saber se seus amigos estão vivos ao ver as cenas na TV. A minoria das pessoas é exposta diretamente ao trauma mais estressante, aquele que traz maior risco de desenvolver estresse pós-traumático. Mas o desafio é: dentre as centenas ou milhares de pessoas com exposição menos estressante à situação o risco de desenvolver o problema é menor; mas como são muitas pessoas, várias acabarão por adoecer, e por estarem dispersas é mais difícil localizá-las e tratá-las.

Numa pesquisa com os estudantes de Virgina Tech, onde se deu um dos mais letais ataques da história, essa tendência se confirmou. Avaliando os quase cinco mil estudantes da universidade nos meses seguintes ao massacre, descobriu-se que o grau de exposição variava bastante: 64.5% dos alunos ficaram incertos sobre a segurança dos colegas, por exemplo, enquanto 9.1% perdeu um amigo próximo. E embora o risco de desenvolver sintomas significativos fosse maior no segundo grupo, como o primeiro grupo era bem maior, respondia sozinho por 30% dos casos do transtorno de estresse pós-traumático.

Como de alguma forma ou de outra estamos todos expostos à violência, não é impossível imaginar esse estado de ameaça constante leve uma proporção das pessoas à sensação de viver num estado de guerra. O que acaba sendo verdade, pois quem apresenta um transtorno ansioso se afasta bastante da paz.

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Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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