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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Só rindo

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Atualização:

"Toda piada é uma pequena revolução". George Orwell

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Normalmente nós não gostamos que as pessoas riam de nós. Mas apesar de ser um pouco constrangedor, sobretudo porque nos sentimos expostos, se o tom não for ofensivo na maioria das vezes rimos também, devolvemos a piada e fica tudo bem. Esse final feliz não costuma acompanhar o humor político, no entanto, ainda mais quando o alvo precisa se colocar acima das críticas.

Desde que protagonizou o vídeo "Dura", no qual dois cidadãos esculacham uma dupla de policiais, numa inversão de papéis típica do humor escrachado de seu grupo, Fábio Porchat vem sendo ameaçado. "Não estamos incitando a violência, mas bem que esse Fábio Porchat deveria levar umas belas de umas porradas por esta humilhação que proferiu contra os policiais militares.", lia-se no Blog do Soldado, página não oficial de apoio à PM do Rio. Embora só essa frase já valesse um episódio do Porta dos Fundos a PM deu uma declaração oficial de que defende a liberdade de expressão e a mensagem foi tirada do ar.

Existem várias teorias que tentam explicar tanto o sucesso do humor político como o medo que ele causa nas autoridades. Como qualquer um de nós, os mandatários não gostam de ser expostos, ter suas falhas reveladas. Mas no caso de sistemas corruptos e autoritários o efeito corrosivo do humor é ainda pior, porque ao rirmos deles estamos roubando-lhe credibilidade e ainda por cima perdendo o medo. Ao fazê-lo de forma coletiva, agregamos a isso o elemento de compartilhar o conhecimento, a partir de quando todo mundo fica sabendo que ninguém mais leva a sério aquela instituição. Ficou evidente o golpe que isso representou para alguns policiais: "Pois bem, esse humoristazinho (sic) achou que pode postar um vídeo e humilhar toda classe policial militar e que isso fosse ficar por isso mesmo? Está muito enganado, Fabio Porchat. Você não sabe o ódio que despertou em todos nós policiais militares, ao postar esse vídeo", dizia a mensagem do blog.

Uma leitura menos otimista, por outro lado, nega a frase de Orwell, para quem as piadas seriam instrumentos de mudança. Há quem creia que, menos do que conseguir mudar qualquer o sistema, as piadas dirigidas contra os opressores não têm a função de derrubá-los, mas de ajudar as pessoas a tolerá-los. Ridicularizando-os o oprimido se sente vingado de alguma forma, aliviando sua frustração e assim aguentando mais o estado de coisas em que se encontra.

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Provavelmente as duas teorias têm sua parcela de razão. Freud teorizou que as piadas "Tornam possível a satisfação de um instinto (seja libidinoso ou hostil) face a um obstáculo", algo que poderia ser identificado no vídeo em questão. Mas bem antes dele os romanos já diziam "Castigat ridendo mores", ou, "Rindo se corrigem os costumes".

Qualquer que seja a função da piada, no Brasil de hoje, só rindo.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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