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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Saiba porque você é contra (ou a favor da) energia nuclear

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Atualização:

Eu sempre fui do time dos favoráveis à energia nuclear. Sem memória do acidente na usina de Three Mile Island e considerando já distantes as recordações do acidente de Chernobyl, me parecia que, se bem planejada e com medidas de segurança suficientes, essa seria uma boa alternativa energética para o planeta. Agora, como todo mundo, estou revendo minha posição.

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E por que todo mundo está revendo suas posições? Porque um acidente nuclear muda o que se chama de framing (literalmente, enquadramento ou emolduramento) - que é a forma como um problema é apresentado. Isso foi explorado pelos psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky, rendendo ao primeiro um prêmio Nobel de economia (Tversky já tinha morrido, e o Nobel nunca é póstumo), e quando um psicólogo ganha um Nobel de economia, vale a pena saber do que se trata.

Numa série de experimentos clássicos, eles mostram que, nas tomadas de decisão, mesmo que as probabilidades sejam idênticas a forma de expor a situação muda o jeito de as pessas pensarem sobre ela. Eles apresentaram problemas a centenas de indivíduos, mudando apenas o enunciado. Por exemplo: uma epidemia fatal está para eclodir, na qual calcula-se que 600 pessoas morrerão se nada for feito. Dois programas são então sugeridos para tentar evitar esta mortandade, mas: 1. Se o Programa A for adotado, 200 pessoas serão salvas; 2. Se o Programa B for adotado, há 1/3 de chances de as 600 pessoas serem salvas e 2/3 de chances de ninguém ser salvo. Qual o melhor programa? Embora o resultado esperado dos dois programas seja estatisticamente idêntico (200 salvos, 400 mortos), quase 3 em cada 4 pessoas preferem o programa A, pois tendem a fugir do risco do desfecho apresentado, no caso, um desfecho negativo.

Só que dois outros programas são propostos para lidar com a catástrofe, com a seguinte ressalva: 3. Se o Programa C for adotado, 400 pessoas morrerão; 4. Se o Programa D for adotado, há 1/3 de chances de ninguém morrer e 2/3 de chances de todos morrerem. Nesse caso, quase 80% das pessoas escolhe o programa D, preferindo correr o risco, já que o desfecho é apresentado de forma positiva. Note-se, contudo, que o resultado esperado continua sendo estatisticamente igual - risco de 400 mortos e 200 sobreviventes.

E o que tudo isso tem a ver com o acidente nuclear? A meu ver ele muda o framing. Pois embora estejamos falando do mesmo risco, a nós parece diferente saber que existe uma fonte de energia que não gera CO2, que não precisa inundar áreas de florestas e não polui, e que a cada 20 anos pode gerar um problema de grandes proporções ou saber que centenas de milhares de pessoas estão sendo obrigadas a abandonar suas casas, correndo risco de ter câncer e tendo seus alimentos contaminados por conta de uma fonte de energia elétrica limpa.

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Vale o risco? Depende do ângulo que você encara.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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