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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Saber não é agir - hotéis, ibope e delinquentes

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Atualização:

[tweetmeme] O que as pessoas dizem que farão nem sempre bate com o que as pessoas fazem, como mostraram os resultados surpreendentes das eleições de domingo. Mas não só os eleitores agem assim; donos de hotéis e restaurantes e jovens infratores fazem a mesma coisa.

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Na década de 30 um psicólogo chamado LaPiere rodou a costa oeste americana com um casal de chineses, que à época sofriam preconceito nos EUA, e notou que, apesar disso, o casal foi bem recebidos no primeiro estabelecimento em que se hospedou; curioso, LaPiere posteriormente telefonou anonimamente ao hotel perguntando se eles receberiam um importante cidadão chinês, recebendo então uma negativa do proprietário. A partir daí ele passou a anotar como era tratado o casal no restante da viagem, e, seis meses depois, enviou questionários por carta aos hotéis e restaurante, notando que embora eles tivessem sido bem tratados em quase todos os lugares, a maioria respondia dizendo-se não estar disposta a recepcionar chineses ou seus descendentes. "É impossível predizer como as pessoas agirão baseando-se em como elas dizem que o farão", concluiu ele.

Uma explicação possível é que dos pensamentos à ação nós não passamos de imediato, havendo uma enormidade de influências nesse caminho. Foi o que mostrou uma pesquisa que nós apresentamos no 4o simpósio "Avanços em pesquisas médicas dos Laboratórios de Investigação Médica - HC-FM-USP", a ser publicada em seus anais, na revista Clinics. Avaliando jovens infratores numa instituição correcional, aplicamos instrumentos para verificar seu grau de maturidade moral, comparando os que estavam internados pela primeira vez com os que eram reincidentes. O resultado é que quase todos se encontram no estágio em que certo ou errado é definido conforme as leis, sem diferença entre os grupos, mostrando que o conhecimento das regras não implica em melhor ou pior comportamento.

No fundo, todos sentimos que há uma grande distância entre saber, dizer e agir. O apóstolo Paulo traduziu esse sentimento ao dizer, angustiado, que "o querer está em mim, mas não consigo realizar". Impossível não ter uma ponta de prazer ao pensar como essa angústia que é de todos nós angustia agora muitos políticos.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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