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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Para minha caçulinha

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Atualização:

Pouco depois do nascimento de minha filha, que já chegou ao mundo tendo um irmão dois anos mais velho, descobri que as mães tendem a ver seus caçulas como bebês. Literalmente.

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A influência da ordem em que uma pessoa nasce em relação a seus irmãos fascina a ciência há séculos. Os resultados das pesquisas são muito variados: irmãos mais velhos são em geral mais autoritários e têm mais posição de liderança na sociedade, enquanto caçulas são mais ousados e lideram movimentos de transformação social. Os primeiros tendem a ser mais altos, os últimos a ter menos diabetes e alergias. Claro que essas diferenças são estatísticas, encontradas na população e não no nível individual - nem todo filho mais novo será um agitador baixinho sem alergias (eu, por exemplo, apesar de caçula tenho bastante alergia - mas a bem da verdade, o resto da lista confere). Parte das diferenças são atribuídas a fatores estritamente biológicos, como mudanças no estado físico da placenta materna, mas um bom pedaço disso se deve provavelmente à dinâmica das relações que se estabelecem numa família com mais de um filho. O tempo é um recurso limitado e a energia requerida para cuidar de crianças não demora para se esgotar, e por isso a divisão da atenção nos cuidados com a prole é um desafio em todo o reino animal.

As características típicas de um bebê - as bochechas fofinhas, os olhos meigos, o nariz achatado e a aparência frágil entre outras - compõe o "esquema de bebê" que instintivamente desperta em nós sentimentos positivos, inspirando o cuidado e inibindo a agressividade. Isso foi provavelmente selecionado ao longo da evolução maximizando as chances de sobrevivência. Mas agora foi comprovado que, além dessas reações inconscientes, o fato de saberem que aquele filho é o mais novo faz com que as mães subestimem sua altura. Pedindo para que elas marcassem numa parede branca qual o tamanho que achavam ter seus filhos, cientistas notaram que as mães acertaram na mosca a medida dos rebentos que têm pelo menos um irmão mais novo, mas erraram em média 7,5 cm para baixo a altura das crianças mais novas (ou filhas únicas). Talvez essa visão distorcida seja uma maneira de lembrar aos pais que aquele filho necessita de mais cuidados do que os outros.

Não sei se sou vítima dessa ilusão. Sei que a chegada de nossa caçula realmente exigiu mais das nossas forças. Mas sua fragilidade toca tão profundamente em nosso instinto de cuidar, sua pequenez nos transforma em tamanhos gigantes, sua imaturidade nos faz sentir tão capazes, que temos a sensação que todos - dos avós ao irmão que a recebeu tão bem, passando pelos tios, tias, primas e, claro, pais - descobrimos que dividir as energias é só uma forma de multiplicar o amor.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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