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Psiquiatria e sociedade

Opinião|O papa vitalício e o vigor do corpo e espírito

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Atualização:

Envelhecer é difícil, confirmou o papa Bento XVI. Para além da agenda política que possa estar por trás de sua renúncia, dos interesses e pressões dos bastidores clericais, há que se levar em conta alguns aspectos inerentes à senescência humana.

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Chamou-me a atenção, em sua carta, não os motivos declarados para sua decisão - o peso da idade e a falta de forças - mas a contextualização que ele dá para tal fraqueza: "no mundo de hoje, sujeito a rápidas transformações (...) é necessário também o vigor tanto do corpo como do espírito, vigor que, nos últimos meses, diminuiu em mim de tal forma que eis de reconhecer minha incapacidade para exercer bem o ministério que me foi encomendado".

O avanço da idade não parece ser um peso per se, mas sim a inabilidade que ele traz para lidar com a velocidade das mudanças no mundo atual. E de modo muito significativo o pontífice invocou a cumplicidade de seu próprio rebanho, dando como certo que eles hão de reconhecer sua incapacidade.

Embora o emprego de papa não seja dos mais corriqueiros, o que dificulta sua comparação com trabalhos em geral, os estudos ao redor do mundo mostram que a produtividade das pessoas apresenta uma forma de U invertido, sendo menor no início de suas carreiras, atingindo o pico por volta dos 40 anos, quando inicia um declínio que fica mais evidente a partir dos 50 anos. Claro que isso varia entre as profissões, mas a principal razão, que perpassa qualquer área, é a redução nas habilidades cognitivas que ocorre com o envelhecimento. Algumas, como a velocidade de percepção e de aprendizado decaem mais rapidamente, impactando trabalhos que exijam solução de problemas e constante reciclagem. Outras, como a habilidade linguística, mudam menos, atrapalhando pouco tarefas nas quais se requer principalmente experiência e comunicação verbal.

Imagina-se que um papa precise justamente de sabedoria, experiência, habilidades verbais -menos afetadas pelo tempo. Mas Bento XVI entendeu que o papado requer mais do que isso - exige uma sintonia com um tempo que seu corpo e mente não mais acompanham. E isso, acredita ele, todos reconhecem.

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Com sua renúncia, Joseph Ratzinger entra para a história como o primeiro papa a questionar a pertinência do papado vitalício. E o faz com razão, porque ainda não descobrimos como nossa mente pode lidar com uma expectativa de vida que aumenta enquanto a estabilidadde do mundo diminui.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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