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Psiquiatria e sociedade

Opinião|O mundo (d)e M. C. Escher

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[tweetmeme] Está em cartaz em São Paulo uma imperdível mostra sobre M.C. Escher, no Centro Cultural Banco do Brasil. Mesmo que você não saiba, conhece o trabalho de M. C. Escher. Suas obras-primas mais conhecidas já são parte do repertório cultural global, sendo improvável que em algum momento você não tenha visto Waterfall ou Ascending and Descending, num cartão postal, num outdoor ou num poster numa parede qualquer.

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O fascínio que seus desenhos exercem parece ser inesgotável, desafiando-nos o tempo todo a dar sentido a algo que aos nossos olhos está correto, mas que o cérebro se recusa a aceitar. Não foi por acaso que seu trabalho teve uma influência concomitante da Psiquiatria e da Matemática: Escher já era um artista conhecido por suas gravuras geométricas e divisões regulares do espaço, merecendo uma exposição durante o Congresso Internacional de Matemática de Amsterdã, em 1954. Ali o matemático Roger Penrose ficou maravilhado pelos desenhos, e decidiu criar as figuras impossíveis. Junto com seu pai, Lionel Penrose, psiquiatra inglês bastante influente, elaboraram um pequeno artigo no qual apresentaram os famosos triângulo impossível e escadaria impossível. Sem ter onde publicar o trabalho, dada a inédita multidisciplinaridade, Lionel convenceu o editor do British Journal of Psychology a publicá-lo com o título Impossible objects: a special type of visual illusion, em 1958.

Num objeto impossível embora a geometria das partes que o constituem seja perfeita, a conjuto não é. Como eles explicam no artigo, os componentes do desenho individualmente fazem sentindo, mas as conexões entre eles são falsas. Assim, a geometria da figura torna-se ambígua ou contraditória, nos forçando a constantemente reintepretá-la a medida em que a percorremos com o olhar.

O próprio Escher ainda não conhecia os objetos impossíveis, e só veio ter contato com eles quando os Penrose enviaram-no uma cópia do artigo. Numa reviravolta digna da fita de Möbius, Escher inspirou-se em quem fora inspirado por ele, e utilizou as imagens nas obras-primas citadas acima, enviando Ascending and Descending como presente aos Penrose.

Existe uma explicação científica bastante interessante para o motivo de os desenhos do Escher nos fascinarem, mas que só abordarei na semana que vem. Por ora deixo aqui uma outra teoria, nada científica, mas que também pode explicar sua capacidade de nos hipnotizar: a ambiguidade das figuras, a impossibilidade de solução que trazem em si, faz com que nós olhemos o desenho e num primeiro momento fiquemos intrigados, até finalmente compreender a cena; mas logo em seguida percebemos que não era bem o que havíamos pensado, e voltamos ao início para novamente sermos iludidos pela sensação de compreensão. Ou seja, as gravuras prendem nosso olhar porque são exatamente como o mundo, que nos pede para encontrar seu sentido mas se recusa a se deixar compreender.

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Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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