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Psiquiatria e sociedade

Opinião|O mundo acinzentado

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[tweetmeme] Lembro-me quando um posto de gasolina foi aberto bem próximo de onde eu morava. "Que bom", pensei, "dá até para ir a pé", mas no mesmo instante me dei conta da minúscula utilidade que é poder ir sem carro a um posto. O otimismo, por mais agradável que seja, é meio burro, distante da realidade; por menos que gostemos, o pessimismo está mais próximo de refletir as coisas como são. Existem teorias bastante estudadas sobre o "realismo depressivo", confirmada por diversos experimentos (I), segundo a qual a depressão impede as pessoas de exercer o auto-engano, e quando solicitadas a estimar quanto tempo gastarão numa tarefa, ou qual será sua performance, elas o fazem com mais precisão dos que as pessoas não deprimidas. O otimismo atrapalha.

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Agora um estudo diferente comprovou que pacientes deprimidos têm dificuldade de perceber o contraste entre preto e branco, vendo o mundo acinzentado (II). Os cientistas mostravam uma figura semelhante a um tabuleiro de xadrez, com casas pretas e brancas que se alternavam 12 vezes por segundo, com níveis diferentes de contraste entre o preto e o branco. Ao mesmo tempo, mediam a percepção do contraste com eletrodos colocados nos olhos dos sujeitos, avaliando diretamente a resposta ao estímulo, independente da consciência. Conforme aumentava o contraste entre os estímulos, mais aumentava a resposta da retina nos voluntários normais, mas isso não acontecia entre os deprimidos, mostrando que eles não percebem os contrastes tão bem, vendo tudo mais cinza.

Ao saber disso fiquei tentado a fazer um paralelo com a visão de mundo pessimista, que tende a ver as coisas mais como elas são de fato: não seria possível imaginar que os não deprimidos é que pintam o mundo com tons fortes, exagerando nos contrastes? Vai ver o preto e o branco não estão assim tão longe, mas só os que sofrem do realismo depressivo enxergam (e aceitam) que o mundo é mesmo cinza.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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