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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Nós queremos emoções

O vídeo que mostra uma águia tentando capturar uma criança teve dezenas de milhões de visualizações e continua sendo compartilhado, mesmo depois de desmentido. O segredo? É emocionante.

Foto do author Daniel Martins de Barros
Atualização:

Voltou a circular nas redes sociais (se é que um dia parou), o vídeo abaixo, mostrando momentos de terror quando, num parque em Montreal, no Canadá, uma águia faz um voo rasante, pega uma criança com suas garras e tenta levá-la embora; para alívio da mãe a ave derruba o bebê ileso após erguê-lo quase um metro de altura.

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Em um dia ele recebeu mais de cinco milhões de visualizações. Num perfil de notícias brasileiros que postou o vídeo, até hoje ele recebe comentários assustados, que já somam mais de 40 mil. Só que o vídeo é falso.

Criado como projeto de três alunos de um curso de computação gráfica, o mais intrigante é que ele continue fazendo tanto sucesso, mesmo tendo sido desmentido no mesmo dia. Tentando alcançar uma boa nota (os vídeos que ultrapassassem cem mil visualizações receberiam nota máxima), os rapazes - cientes disso ou não - seguiram a fórmula de sucesso dos conteúdos virais. Fortes emoções e finais felizes.

Como na história do ovo de Colombo, depois que alguém explica parece óbvio, mas não é simples isolar fatores que fazem um conteúdo se tornar viral. Estudando cerca de sete mil artigos publicados no New York Times pesquisadores americanos identificaram que as características emocionais são uma peça chave nessa equação. Os artigos que provocam emoções tiveram muito mais chance de ser compartilhados do que os neutros, meramente informativos. Ansiedade, expectativa, raiva, alegria, vale tudo - quanto mais intenso, melhor. Além disso, descobriram que os sentimentos positivos ganham dos negativos - espanto e admiração superam o medo e a tristeza em potencial de compartilhamento, por exemplo. Finalmente, características como interesse, surpresa e aplicação prática também ajudam na viralização. O mago dos virais, Emerson Spartz, que faz fortuna criando listas, fotos, artigos e vídeos campeões mundiais de compartilhamento, resumiu tudo num parágrafo, ao dizer em entrevista como faria para captar atenção das pessoas: "escolheria algumas poucas imagens ou histórias realmente comoventes, capazes de gerar um bocado de emoção, e transformaria esse material num vídeo curto (...) E no final transmitiria às pessoas uma mensagem positiva, alguma coisa na qual ter esperança". Intuitivamente, ou com a ajuda dos seus algoritmos, acertou em cheio.

Daí o sucesso do vídeo da águia. Ele é emocionante e surpreendente. Apela aos nossos medos, provoca ansiedade, mas oferece um final feliz, mostrando o rosto de um bebê saudável. E ainda por cima é curto e não depende do idioma. Não é à toa que, mesmo desfeita a farsa, ele soma mais de 44 milhões de visualizações em três anos no ar. Porque no fim das contas, seja buscando filmes de terror ou comédias-românticas, passeios em montanhas russas ou em túneis do amor, o que queremos mesmo é nos emocionar. A verdade é só um detalhe.

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Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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