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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Excêntricos ou loucos

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[tweetmeme] É possível uma pessoa ter pleno juízo e ainda assim viver sobre uma montanha de 1 metro de lixo misturado com bugigangas entulhada em sua casa? Ou vivendo no meio de dezenas de cães e gatos e seus dejetos?

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Foi essa mais ou menos a pergunta que orientou uma força-tarefa em Wisconsin, cujo objetivo era encontrar e tratar pessoas que vivem no meio de tralhas sem fim, animais domésticos aos montes, pilhas e pilhas de jornais velhos, livros, revistas, roupas, sacos de lixo etc., etc. Essa é uma condição cada vez mais frequentemente encontrada e mistura traços de colecionismo, sintomas obsessivos-compulsivos, demência e até psicose. No fundo, falta-nos ainda uma categoria diagnóstica adequada para tais pessoas.

Conversar com tais indivíduos é uma experiência frustrante, pois eles negam o tempo todo que tenham um problema, e quando confrontados com comportamentos aparentemente injustificáveis, sempre apresentam alguma racionalização ou minimização. Por que então seriam eles loucos?

Basicamente, porque o comportamento foge ao seu controle. Esse é um parâmetro importante em psiquiatria, pois ao contrário de outras especialidades médicas, não temos medidas objetivas para diferenciar doença de saúde (por exemplo: pressão arterial até 120 x 80 mmHg é saudável, acima disso não). Assim, é quando algo causa prejuízos claros à pessoa ou foge ao seu controle que normalmente dizemos ser um transtorno mental, não apenas uma escolha individual.

Um dos casos mais famosos de todos os tempos se deu em Nova York, na primeira metade do século XX, quando os irmãos Collyer ficaram reclusos em sua mansão e juntaram tanto lixo, tantos objetos, que acabaram morrendo: um deles estava rastejando num túnel entre os entulhos para levar comida ao irmão paralítico quando foi soterrado, não só morrendo mas também matando o outro de sede e fome. Os corpos estavam a três metros um do outro, em meio às 130 toneladas de entulho que havia na casa.

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Como bem coloca o psiquiatra Kenneth Weiss, atestar que o colecionismo é loucura pode levar pessoas a serem interditadas de forma injusta; no entanto, fechando os olhos à sua psicopatologia corremos o risco de negligência, permitindo que elas vivam em situações inumanas.

Traçar a linha que separa excentricidade e doença é, portanto, tarefa tão difícil quanto necessária nesses casos.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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