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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Dia do Perdão - livrando-se da raiva para poder seguir em frente

Perdoar é difícil. Mas é só o que temos a fazer por nós mesmos.

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 Foto: Estadão

A cantora lírica americana Beverly Sills disse certa vez que "Não existem atalhos para lugares a que valha a pena ir". (Não, a frase não é do Paulo Coelho, como dizem alguns sites). De fato, não existe caminho fácil para grandes recompensas. Se por um lado nem tudo o que é trabalhoso leva a um fim bom, por outro nenhum resultado relevante é alcançado sem esforço.

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Essa introdução é importante para falarmos de perdão. Hoje, 30 de agosto, é o Dia Nacional do Perdão, oficialmente incluído esse ano no calendário brasileiro por iniciativa da deputada federal Keiko Ota (PSB-SP). Vale lembrar que Ota entrou em campanha pelo perdão após ter seu filho de 8 anos sequestrado e assassinado vinte anos atrás. Não se trata de alguém que não sabe do que está falando.

Mas por que perdoar é tão difícil? E se é difícil, por que é tão eficaz?

O perdão vai contra uma de nossas reações emocionais mais primitivas - a raiva. Ao sermos atacados de alguma forma - seja física ou emocionalmente, por atos ou palavras, real ou imaginariamente - imediatamente surge em nós o instinto de contra-atacar. Essa reação, cujo objetivo inicial era garantir a proteção imediata, sofreu um deslocamento a partir da nossa organização como sociedade, incitando-nos à busca de reparação. Se o contra-ataque imediato não é possível, passamos a amargar emoções negativas dirigidas a quem achamos que nos prejudicou, remoendo a sensação de que precisamos fazer algo para não ficarmos no prejuízo. E se não é possível recuperar o que se perdeu, acreditamos que ao menos impor um sofrimento igual ou maior ao nosso oponente pelos menos nos fará quites. Eis como nasce o desejo de vingança.

A essa altura já é possível compreender porque é tão trabalhoso - já que contraria nossos instintos - mas porque pode ser tão eficaz. Porque muitas vezes na vida é simplesmente impossível alcançar reparação emocional para eventos que nos deixaram verdadeiramente com raiva. O golpista nos devolve o dinheiro, mas continuamos sentindo que fomos humilhados. O agressor é preso, e persiste em nós a sensação de que não é suficiente. O estuprador é executado, e ainda assim não nos convencemos que as contas foram acertadas. A justiça pode ter sido feita, mas a raiva não passa.

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Perdoar não é esquecer, não é ignorar o fato ocorrido, não é ficar de bem com o ofensor nem desculpar quaisquer atitudes erradas. Não é sequer livrar a pessoas das consequências legais de seu ato. Perdoar passa, em primeiro lugar, por admitir que foi causado um mal, que fomos vítimas de algo errado que não deveria ter acontecido. E que alguém tem culpa. Mas que, apesar de tudo isso, não há o que possa trazer verdadeira cura para nosso mal-estar, a não ser deliberadamente decidir abrir mão dos sentimentos negativos em relação a quem nos ofendeu.

Pode parecer teórico demais, mas estudos com diversos tipos de pessoas realmente feridas vem mostrando a eficácia de se livrar ativamente do ressentimento, do ódio, das ruminações. Há estudos com vítimas de incesto, com mulheres abusadas emocional, física e mesmo sexualmente, com pessoas expostas a conflitos armados sofrendo de estresse, e em todos os casos as intervenções promovendo o perdão melhoraram a qualidade de vida, reduziram a ansiedade e em muitos casos eliminaram sintomas depressivos.

Realmente não é fácil perdoar. Os frutos do perdão podem ser bons, mas ficam escondidos atrás da muralha de nossos instintos, sobre a qual temos dificuldade de enxergar. Mas o Dia do Perdão serve para nos lembrar que a alternativa - alimentar a raiva, buscar de vingança ou esperar da justiça o alívio do ódio, da mágoa ou da tristeza - é inútil. Livrar-se desse peso e seguir em frente é o melhor caminho a se trilhar. E nele, não existem atalhos.

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Leitura mental

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 Foto: Estadão

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Aproveito o gancho e peço perdão por falar de um lançamento meu mesmo, mas no livro Pílulas de Bem-Estar - 84 lições da ciência para mudar seus hábitos e viver melhor (editora Sextante, 2017), eu compilei diversos estudos científicos que podem fazer diferença em sete áreas da nossa vida. Na seção Pílulas calmantes, por exemplo, há justamente a dica de que perdoar é um eficaz mecanismo para alívio do estresse. As outras seções são Pílulas para emagrecer, Pílulas para dormir, Pílulas da inteligência, Pílulas da felicidade, Pílulas do amor e Pílulas da longevidade, cada uma trazendo 12 dicas baseadas em evidências científicas. São estudos publicados em revistas científicas que podem ter uma aplicação prática no nosso dia-a-dia. Eu costumo dizer que o livro é um crossover, meio autoajuda, meio divulgação científica. E de que serviria a ciência, afinal, se ela não pudesse fazer a nossa vida um pouco melhor?

 

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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