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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Como se faz um terrorista

O Estado Islâmico começa a procurar terroristas em território brasileiro. Saber o que leva alguém a ser terrorista pode ajudar a lidar com essa ameaça complexa.

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Atualização:

Assustadora, mas não surpreendente, a notícia publicada pelo Estadão de que o Estado Islâmico busca terroristas no Brasil. Depois de cooptar jovens europeus convertidos ao extremismo islâmico, o EI estaria ampliando seu leque para a América do Sul. Faz todo sentido quando levamos em conta o que é que convence alguém a ser terrorista.

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Claro que uma decisão dessas não cabe numa explicações simples - nenhum o comportamento humano pode ser reduzido a relações causais rasteiras como "virou terrorista por causa disso". Não existe um "isso" único e definitivo. Mas existem sim elementos encontradiços entre os terroristas que, se não podem ser considerados causas, no mínimo parecer ser fatores de risco importantes nessa decisão.

Sabe-se, por exemplo, que a maioria das pessoas cooptadas por organizações extremistas, eventualmente transformados em terroristas, são jovens, no final da adolescência e começo da idade adulta e quase sempre homens. Essa faixa etária apresenta grandes vulnerabilidades, explorada com maestria pelos recrutadores. A primeira é a necessidade de se sentir parte de algo, ser acolhido, que todo ser humano tem, mas os adolescentes em especial. Além disso, com o desenvolvimento do pensamento abstrato nessa fase surgem vários questionamentos existenciais. A busca por um sentido na vida abre uma janela de oportunidade para doutrinação radical que lhes forneça esse sentido. Os recrutadores do terror então acenam para os jovens com a possibilidade se identificar com um grupo e de encontrar um propósito em suas vidas.

A partir de sua inserção num grupo metade do trabalho está feita. Isso porque as pessoas normalmente desenvolvem um senso de "nós contra eles", por conta de um viés intragrupo que está inscrito em nossa programação mental. Os recrutadores se aproveitam disso, fomentando ainda a visão de que os de fora são uma maioria iníqua e opressora, possibilitando não apenas o aumento de hostilidade como até mesmo a desumanização do outro, o que facilita em muito os atos de violência. Mas o problema não termina aí, pois quando estamos em grupo, entra em marcha outro fenômeno chamado de risky shift, ou polarização de grupo, que funciona assim: na coletividade, cada indivíduo tende a assumir uma posição um pouco mais radical do que sua postura inicial, com intuito de se adequar ao que percebe ser a posição coletiva. Com isso o grupo se torna usualmente mais extremista do que cada um de seus membros. Essa tendência, por sua vez, é alimentada no caso do terror com figuras de autoridade incitando a violência por meio de textos religiosos.

Os terroristas sabem que não há certeza de que todas as pessoas nessas circunstâncias se tornarão homens-bomba. Mas junte um número grande de gente e espere, atuando ativamente sobre esse caldo de cultura, que mais cedo ou mais tarde a receita funciona. E eles contam com isso.

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O combate ao terrorismo é complexo e difícil. Mas talvez fazer essa engenharia reversa do processo de formação de seus membros ajude a atuar na fonte - por exemplo, oferecendo senso de propósito a nossos jovens, não dando motivo para que se sintam excluídos e oprimidos e promovendo uma real inclusão - e assim desbaratar os criadouros antes que eles formem mais agentes do terror.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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