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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Como petistas e antipetistas mataram o diálogo (e como ressuscitá-lo)

Lentamente as pessoas estão se dando conta que o diálogo está morrendo, e que isso não é bom. Mas mesmo no meio da polarização política é possível conversar com opositores. Acredite.

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Atualização:

O diálogo está morto no país. Petistas e antipetistas aniquilaram a possibilidade de se tentar conversar, inviabilizando qualquer diálogo que não seja superficial. É triste, mas existe uma saída.

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Argumentar sobre temas passionais é praticamente impossível. Conheço duas teorias que explicam por quê. Uma diz que quando nós apresentamos fatos contrários às convicções de uma pessoa, automaticamente ela pensa nos motivos que sustem sua crença. À medida que ouve, inconscientemente já vai contra-argumentando, o que dificulta a mudança de opinião ou a chegada a um consenso. Esse meio termo só é possível quando se consegue integrar os novos argumentos aos pontos de vista anteriores; se essa integração não ocorre, fim de papo. A outra teoria, um pouco diferente, sustenta que quando questionamos ideias muito importantes para alguém, pondo em xeque opiniões com as quais ele ou ela se identifica muito, sua própria identidade fica ameaçada. A avalanche de emoções negativas que surge assim prejudica o exercício da razão, e a conversa descamba. Situação familiar? Alguém falou em grupos de Whatsapp ou redes sociais destruindo amizades?

Uma das razões para tanto extremismo é a ilusão de explicação profunda. O mundo é complicado demais, mas ainda assim a gente acha que entende das coisas. O escritor Alvin Toffler previra que conforme as coisas se tornassem mais complexas as pessoas tenderiam se dirigir para extremos. Dada a dificuldade de lidar com as informações intrincadas dos assuntos polêmicos, refugiar-se na visão simplista num dos polos seria a solução mais fácil.Então, ao contrário do que pensamos - e do que temos feito - a solução para o radicalismo pode estar não em apresentar nossos argumentos, mas em pedir para que as pessoas expliquem melhor suas próprias posições. Confrontadas com sua ignorância elas abandonariam a ilusão de explicação e sairiam dos extremos.

Ao menos dois estudos sustentam essa hipótese. Num deles, de 2013, os pesquisadores pediram que os voluntários dessem notas para o quanto compreendiam determinados assuntos, o quão radicalmente os apoiavam e até mesmo qual a chance de contribuírem financeiramente com a causa. Depois, metade do grupo devia fazer uma lista dos motivos para suas opiniões. A outra metade tinha que explicar, detalhadamente, como funcionava aquela política, aquele assunto etc., partindo do primeiro passo e chegando às consequências finais, expondo as ligações entre cada um dos passos. Ao fim dessa tarefa as coisas mudaram: quem tentou explicar em detalhes as políticas acabou confrontado com lacunas em seu próprio conhecimento. Com isso perceberam que entendiam menos, reduziram seu extremismo e caiu a probabilidade de doarem seu dinheiro. Quem apenas fez uma lista de seus motivos não apresentou a mesma mudança e pior: os mais extremistas passaram a apoiar ainda mais a causa.

Agora um novo estudo, publicado esse mês, mostrou que as explicações não precisam ser tão longas para se obter esse efeito. Os cientistas pediram para as pessoas refletirem apenas 15 segundos sobre duas políticas públicas. Metade delas recebia a instrução: "Reflita cuidadosamente quão detalhado é seu conhecimento sobre esse assunto"; enquanto a outra metade recebia: "Reflita cuidadosamente quão bem você poderia explicar para um expert, passo-a-passo, de forma a ligar as causas, os detalhes desse assunto". Esses 15 segundos bastaram para que as pessoas confrontadas com a complexidade que antes se forçavam a ignorar se tornassem mais moderadas.

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Para conversar com um coxinha ou um petralha, em primeiro lugar abandone esses apelidos. Seus opositores não são maus-caracteres, talvez estejam apenas sinceramente enganados. Então inicie a abordagem com interesse real na opinião do outro, e peça que ele explique, detalhadamente, passo-a-passo o que quer que seja. As bases jurídicas do processo de impeachment e a caracterização de crimes de responsabilidade; a previsão legal para condução coercitiva e em quais circunstâncias ela pode ser considerada abusiva; o funcionamento do processo eleitoral que diferencia democracias de ditaduras; vocês escolhem o tema. Não basta fazer uma lista de fatos - tem que explicar direitinho, sem deixar lacunas. E enquanto não tem a oportunidade de ter essa conversa com alguém, que tal começar por você? Tente explicar, nos mínimos detalhes, as bases dessa sua convicção.

Quando todos nos dermos conta que a realidade é muito, muito mais complexa do que queremos crer, poderemos nos encontrar num meio termo para ressuscitar a possibilidade de diálogo - arte humana por excelência, uma das poucas que nos diferencia dos animais e que deveria ser o fundamento mesmo da civilização.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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