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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Cartas de gratidão - Obrigado, Roberto Muylaert

Essa carta de gratidão é em nome de milhões de pessoas da minha geração.

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Atualização:

Caro Roberto Muylaert,

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Tomo a liberdade de escrever essa carta em nome de uma geração inteira que é grata ao senhor nem tem ideia disso. A "geração X", dos nascidos entre os anos 1960 e 1980, deve tanto a seu trabalho que é difícil saber por onde começar a agradecer.

Quando o senhor assumiu a presidência da Fundação Padre Anchieta, em 1986, nossos aparelhos de televisão tinham um seletor giratório de canais com muito poucas opções. Além do canal 3, que servia para ligar os telejogos, havia transmissão apenas nos canais 2, 4, 5, 7, 9, 11 e 13. A Fundação Padre Anchieta, mantenedora da RTC rebatizada TV Cultura, era titular do canal 2. Nós, da geração X, éramos crianças e jovens sem muitas alternativas - TV a cabo não existia, streaming nem se fale. E então o senhor surgiu. E o impacto do seu trabalho na nossa formação não tem como ser exagerado.

Se a TV Cultura já vinha nos preparado para a alfabetização em programas anteriores como o Catavento e o Curumim, seus sucessores como Rá-Tim-Bum e X-Tudo mantiveram - senão elevaram - esse padrão de unir entretenimento e educação com muita qualidade. Para quem já era um pouco mais velho os programas de auditório convidavam os jovens a ser protagonistas na construção do saber, quando construtivismo ainda nem era moda. Sexta-feira à noite, por exemplo, o Eureka! transformava a TV numa feira de ciências ao vivo, colocando cientistas e inventores lado a lado com alunos fazendo experiências e demonstrações científicas até então inéditas. Quanto experimento não tentei reproduzir em casa! E no sábado o Enigma nos colocava para pensar e torcer em meio a questões de história e geografia disfarçadas de caça ao tesouro. Aprendíamos sem perceber.

Conforme eu fui crescendo parecia que ia sendo acompanhado pela programação. Primeiro veio o Revistinha, que realmente era uma revista para pré-adolescentes, recheada de assuntos variados, cultura, música, conhecimento. Depois descobri o Matéria prima, e em seguida o Fanzine, quando um pouco maior eu já queria refletir sobre o mundo e suas notícias. O mesmo acontecia com o entretenimento: passei dos desenhos para O mundo da lua, desse para o inesquecível Anos incríveis até chegar ao Confissões de adolescente, às vésperas do meu vestibular e um ano antes de sua saída da Fundação Padre Anchieta.

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Por falar em vestibular, lembro de um professor do cursinho citando O mundo de Beakman - a reunião mais perfeita entre humor e rigor que já vi. Mas esse era só um exemplo. Show de ciência, Olho vivo, O Professor, e é claro Vestibulando, não só me ajudaram a entrar na faculdade, como foram responsáveis por me fazer apaixonado por divulgação científica. E se antes de me inscrever para medicina eu pensei em ser cineasta, sem dúvida foi por influência de programas como o Lanterna mágica, que apresentava curtas de animação do mundo todo, além da exibição de clássicos, de Frankenstein aos Irmãos Marx, num tempo que, se não fosse pela TV Cultura, não teria como assisti-los.

Vou ficando por aqui - já me emocionei demais relembrando e revendo trechos desses programas para escrever essa carta. Que, aliás, ficaria grande demais se eu fosse listar tudo o que vi de bom durante sua gestão.

Despeço-me agradecendo mais uma vez por mim e pelos milhões de pessoas que tiveram o privilégio de assistir a TV Cultura nessa época. Tenha certeza que nem eu nem metade das pessoas da minha geração seríamos o que somos se não fosse por seu trabalho.

Muito obrigado!

Daniel

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Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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