Triste ter que começar o ano refletindo sobre um caso tão trágico como o crime ocorrido em Campinas na noite de ano novo. Um homem invadiu a festa onde sua ex-mulher se encontrava e, com uma pistola 9 mm, matou 12 pessoas, inclusive o próprio filho de oito anos, antes de se matar.
O familicídio - assassinato em massa de membros da própria família - é um crime proporcionalmente raro, pois corresponde a uma parcela mínima dos homicídios. Ainda assim não é tão infrequente como gostaríamos, ocorrendo cerca de 20 casos por ano nos EUA e Reino Unido, segundo os levantamentos. Quase sempre o criminoso é homem (pode ser também considerado um crime de gênero) , portador de arma de fogo, incapaz de aceitar o fim do casamento (ou, mais, raramente diante de um grave problema financeiro). E pouco mais da metade tem algum problema psiquiátrico, em tratamento ou não (às vezes o diagnóstico só é feito após o crime).
Esses fatores são tão genéricos que fica claro porque é difícil prevenir o familicídio: se por um lado são homens, em situações de crises e com transtornos mentais que cometem tais crimes, por outro, a maioria dos sujeitos que se separa, que tem dificuldade em lidar com o divórcio, não mata a ex-esposa ou os filhos. E é sempre fundamental lembrar: a maioria absoluta dos pacientes psiquiátricos nunca é violenta.
Ainda assim, como é necessária uma conjunção de elementos para se chegar a tal fim trágico, possivelmente atuar globalmente sobre todos ajudaria a prevenir pelo menos alguns casos. Combater a cultura em que a mulher não tem direito de terminar a relação, divulgar informações sobre sinais e sintomas de doenças psiquiátricas, ampliar a rede de atenção à saúde mental e controlar o acesso a armas de fogo são medidas que, além de terem o potencial de evitar novos familicídios, fariam do mundo um lugar melhor sob qualquer perspectiva.
Flynn, S., Gask, L., Appleby, L., & Shaw, J. (2016). Homicide-suicide and the role of mental disorder: a national consecutive case series Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, 51 (6), 877-884 DOI: 10.1007/s00127-016-1209-4