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Psiquiatria e sociedade

Opinião|A CPI das faltas no Neymar

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Atualização:

Prepare-se para um furo - revelo, em primeira mão, que o julgamento do mensalão irá envolver um nome que até aqui vinha sendo poupado, mas cuja imagem sairá arranhada nos próximos dias. O jogador Neymar.

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Não, ele não foi visto sacando dinheiro no Banco Rural, nem contratou Duda Mendonça para dar um tapa na sua imagem. Mas coincidentemente ou não, nos últimos dias venho notando uma progressiva rejeição ao "jeitinho brasileiro" com o qual ele tempera, infeliz e desnecessariamente, o talento que de fato tem. Vídeos na internet comparam seu comportamento com o do argentino Lionel Messi diante das faltas, mostrando que enquanto este último é duro de cair, Neymar rola no chão com as mãos na cabeça mesmo quando não é atingido.

Talvez não tenha absolutamente nada a ver com o julgamento do mensalão. Mas arrisco uma aproximação.

O jeitinho brasileiro é estudado com seriedade há algum tempo, e recentemente pesquisadores identificaram três componentes diferentes constituintes desse "talento": a criatividade, a quebra de normas sociais e a corrupção propriamente dita. Tomei conhecimento do estudo no blog SocialMente, do talentoso estudante André Rabelo, e não me surpreendi com os resultados indicando que, embora as pessoas critiquem o jeitinho, sobretudo com relação à quebra de normas e corrupção, ainda assim elas praticam esses mesmos atos que condenam. Cria-se o paradoxo de uma cultura que é formada pela soma das atitudes de indivíduos que não concordam com a cultura que eles mesmo constroem. O círculo vicioso formado leva as pessoas a agirem de forma desonesta porque todo mundo faz o mesmo, e, o que é pior, tende a produzir uma sensação de indiferença à corrupção, além de tolerância a atos considerados menos graves quando comparados com "a roubalheira de Brasília".

Indo além da pesquisa, talvez estejamos vendo algo que percebi à época do processo de impeachment do Collor. Por mais que as coisas nem sempre durem, que as mudanças não sejam definitivas, havia no ar um clima de intolerância, uma sensação de "chega" que invertia o círculo vicioso da corrupção - em vez de todo mundo roubar já que todo mundo roubava, via-se a possibilidade de as pessoas pararem de roubar porque não era mais assim que as coisas funcionavam.

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Claro que não sou inocente a ponto de achar que o processo do mensalão acabará com a corrupção no Brasil. Mas ele vem sendo tão discutido, tão divulgado, que hoje a maioria dos brasileiros sabe do que se trata e deseja a condenação dos culpados. Pode ser otimismo, mas novamente sinto crescer a indignação com a corrupção. Isso diminui a tolerância com as quebras de normas para ganhar vantagens, e por consequência aumenta a condenação ao jeitinho brasileiro.

As crescentes críticas ao Neymar podem não ter nada a ver com isso, mas se eu fosse ele tentaria ficar mais firme, para não acabar sendo derrubado.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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