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Opinião|Mondovino à brasileira

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Foto do author Carlos Castelo
Atualização:
 Foto: Estadão

Foto de Markus Spiske no Unsplash

"Conhecedores" de vinhos, como é insuportável essa gente.

A categoria se multiplicou no Brasil desde que algumas adegas gaúchas resolveram criar uns vinhozinhos bem medianos e bem metidos à besta.

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Logo os afetados de plantão passaram a achar que Garibaldi e região virara um grande filme "Sideways", só que feito em videotape.

Foi então que o prosaico ato de sorver vinho passou a ser um rito mais engravatado que um conclave papal.

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Não se pode mais ir à uma reunião social sem que apareça um mala com aquelas conversas de retrogosto, cor amadeirada, aroma rescendendo a frutas do bosque e minerais (mas pedra tem gosto?).

Dizem isso bebendo - digo, degustando - um Château Whatever Seleção - dos que tem até uva-passa na fórmula - e abrindo as ventas pra aspirar e expirar com grande formalidade aquela Dolly Uva com 14 graus de álcool.

Ridículo dos ridículos.

Sejamos razoáveis: a maioria dos vinhos a que os mortais como nós têm acesso não passa de commodity.

Não tem diferença nenhuma de uma banana.

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E alguém compra uma penca assim na feira?

- Qual a denominação da fruta?

- São Tomé.

- E a safra dela?

- Ranquemos ônti do pé, sinhô.

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- Como ainda está verde imagino que precisaria de um tempo maior de maturação...

- Que nada. É só o sinhô botá a penquinha dentro anssim de um jornal. Amadurece que é uma belezura, viu?...

- Posso degustar uma?

- O sinhô qué um teco da bananinha?

- Sim, por favor.

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- Ói que duçura.

- O tanino do fruto ainda está muito presente. Eu o sinto bem aqui na parte central do pálato...

- Qué isso, dotô? Eu lhe dou a banana e o sinhô me dá a língua!!! Safadeza é essa?!

O pior é aquele papo eterno de vinho "combina com o quê." Toda vez é a mesmo lenga-lenga:

- Sou ortodoxo: pescado pra mim, só com vinho branco.

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Aí vem o dono da casa, um carequinha de cavanhaque, fazendo-se de blasé. Começa ali o grande must da discussão enóloga:

- Perdão, mas bacalhau se bebe com vinho tinto! Eu li na última resenha do Parker.

O outro grande "expert" revida:

- Mas bacalhau nem peixe é! É crustáceo...

A polêmica ganha corpo e segue até o final da ceia, quando o anfitrião pergunta aos convidados que digestivo vão preferir.

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- Clarete, cognac, poire?

A esposa de um dos polemistas, já meio bebaça, pede em tom esganiçado:

- Um Amarula!!

É largada sozinha na mesa por todos. ??É que, além de pedante, o clã dos "conhecedores" é implacável com quem resolve seguir seus próprios caminhos.

 

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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