Foto de Markus Spiske no Unsplash
"Conhecedores" de vinhos, como é insuportável essa gente.
A categoria se multiplicou no Brasil desde que algumas adegas gaúchas resolveram criar uns vinhozinhos bem medianos e bem metidos à besta.
Logo os afetados de plantão passaram a achar que Garibaldi e região virara um grande filme "Sideways", só que feito em videotape.
Foi então que o prosaico ato de sorver vinho passou a ser um rito mais engravatado que um conclave papal.
Não se pode mais ir à uma reunião social sem que apareça um mala com aquelas conversas de retrogosto, cor amadeirada, aroma rescendendo a frutas do bosque e minerais (mas pedra tem gosto?).
Dizem isso bebendo - digo, degustando - um Château Whatever Seleção - dos que tem até uva-passa na fórmula - e abrindo as ventas pra aspirar e expirar com grande formalidade aquela Dolly Uva com 14 graus de álcool.
Ridículo dos ridículos.
Sejamos razoáveis: a maioria dos vinhos a que os mortais como nós têm acesso não passa de commodity.
Não tem diferença nenhuma de uma banana.
E alguém compra uma penca assim na feira?
- Qual a denominação da fruta?
- São Tomé.
- E a safra dela?
- Ranquemos ônti do pé, sinhô.
- Como ainda está verde imagino que precisaria de um tempo maior de maturação...
- Que nada. É só o sinhô botá a penquinha dentro anssim de um jornal. Amadurece que é uma belezura, viu?...
- Posso degustar uma?
- O sinhô qué um teco da bananinha?
- Sim, por favor.
- Ói que duçura.
- O tanino do fruto ainda está muito presente. Eu o sinto bem aqui na parte central do pálato...
- Qué isso, dotô? Eu lhe dou a banana e o sinhô me dá a língua!!! Safadeza é essa?!
O pior é aquele papo eterno de vinho "combina com o quê." Toda vez é a mesmo lenga-lenga:
- Sou ortodoxo: pescado pra mim, só com vinho branco.
Aí vem o dono da casa, um carequinha de cavanhaque, fazendo-se de blasé. Começa ali o grande must da discussão enóloga:
- Perdão, mas bacalhau se bebe com vinho tinto! Eu li na última resenha do Parker.
O outro grande "expert" revida:
- Mas bacalhau nem peixe é! É crustáceo...
A polêmica ganha corpo e segue até o final da ceia, quando o anfitrião pergunta aos convidados que digestivo vão preferir.
- Clarete, cognac, poire?
A esposa de um dos polemistas, já meio bebaça, pede em tom esganiçado:
- Um Amarula!!
É largada sozinha na mesa por todos. ??É que, além de pedante, o clã dos "conhecedores" é implacável com quem resolve seguir seus próprios caminhos.