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Opinião|Cronista ao mar

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Atualização:

A praia deveria ser um local de contemplação coletiva. Exceção feita aos bolivianos que a desconhecem de berço e poderiam se excitar um pouco ao vê-la pela primeira vez. Para o restante, um sentimento de paz e comunhão com a natureza deveria reger o momento em que se pisasse suas areias.

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Infelizmente, nem todos pensam assim.

Minha temporada de férias no litoral em casa de familiares tem me mostrado aspectos praianos que eu desconhecia completamente. E que não combinam em nada com os sentimentos referidos acima.

O vizinho Churrasqueiro, por exemplo, é o oposto de meditação. Olhem só pra ele. Vem "al mare" para carbonizar mesocarpo em larga escala. Mal passada, ao ponto, sangrando, o que importa é que a fumaça comece logo pela manhã - sim, eu vi um tipo desses mastigando lascas de ponta de agulha às oito da manhã - e entre madrugada adentro.

Pior que o Churrasqueiro, só o Churrasqueiro Vegano. Ou alguém aí aprecia o perfume de repolhos na brasa entrando na sala de casa?

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Lamentavelmente não existem apenas os dois gêneros citados por aqui. Há ainda o DJ de Karaokê. Acabei de passar por um agora. Adquiriu recentemente um Hyundai Santa Fé e uma casa num condomínio fechado de nome estapafúrdio (The Aspen Tropical Beach Resort & Club). O interessante é que o DJ de Karaokê acredita que o dinheiro auferido com seu Caixa 2 o aculturou. E que seu bom gosto musical é como um post do Facebook: precisa ser compartilhado com todos.

A questão é que ouvir Wesley Safadão seguido de "Jesus Cristo, eu estou aqui!" não é propriamente vivenciar um sentimento de plenitude espiritual. Especialmente se o ato de musicalidade extrema ocorrer às 3h 40 da manhã.

É uma pena, mas os novos tipos marítimos não param por aí. Para se ter uma ideia, ontem fui dar uma caminhada no fim da tarde e me senti um extra do filme "Velozes e Furiosos". Eram os Aqualoucos da Orla: garotos entre nove e 12 anos pilotando quadriciclos e minimotos como se estivessem fugindo de um iminente tsunami.

(Talvez o pai deles seja aquele DJ de Karaokê. E eles não aguentam mais ouvir a seleção de sons do velho e se lançam às ruas, calçadas e areias sublimando o ódio ao mau gosto paterno de forma agressiva).

Eu só sei que um desses fedelhos, em sua motoquinha importada da China, tirou uma fina tão grande do meu corpo que, a marola provocada pelo deslocamento de ar, fez com que se desprendesse minha tatuagem nova do braço e os curativos do Botox de uma senhorinha corcunda que caminhava ao meu lado no calçadão.

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O jeito foi voltar para casa e tentar ler. Eis aí uma virtude de estar-se ao nível do mar: botar em dia o Kindle. Quando lancei os olhos na primeira linha do livro de Julio Camba, iniciou-se a festinha na piscina do vizinho da direita, um típico Festeiro Profissional.

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O evento, aparentemente de aniversário infantil, começou às 18 horas. E só terminou quando o Juizado da Infância e Juventude resgatou a última criança acordada do local às cinco e meia da manhã.

Foi a primeira vez que vi uma "baby rave" na vida. Bebês que não sabem nem higienizar a própria bundinha, nenês de tudo tomando parte numa balada de fazer inveja à festa no apê do Latino. As únicas diferenças pra um banzé adulto eram que, em vez de Red Label con Red Bull, bebia-se, a grandes goles, Ninho sem lactose na mamadeira. E, ao contrário de canapés diversos, rolava papinha Gerber.

Se Sartre, quando veio ao Brasil, tivesse descido a Serra do Mar talvez não afirmasse que o inferno são os outros. Mas que vizinho de praia não se discute, se lamenta.

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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