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Opinião|A focaccia nossa de cada dia

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Foto do author Carlos Castelo
Atualização:

 

Pequenas empresas, grandes negócios?

 Foto: Estadão

(Foto: montagem de Carlos Castelo)

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Matias foi demitido.

Depois da conversa no RH, das explicações de praxe, sentou-se à mesa de trabalho e compôs um e-mail de despedida. Estava naquela empresa de injeção de peças plásticas há 16 anos, não podia sair à francesa.

Escreveu um texto curto e sentido. Digitou na última linha o percorrido "indo em busca de novos desafios, mas, em seu caso, a afirmação não era um reles clichê.

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Ao chegar em casa esperou a filha de sete anos dormir, encheu duas taças e vinho e pediu que a mulher o ouvisse:

- Deise, teve passaralho na firma. Fui um dos degolados.

Antes que a companheira reagisse à notícia, Matias completou:

- Com essa bandalheira no governo e na economia, não vou procurar emprego, nem vou achar...

Deise encheu outra taça do Periquita, estava bastante confusa com a palestra do marido. Matias prosseguiu:

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- Vou atrás dos meus sonhos! Lembra da minha ideia de fazer a focaccia italiana? Pois é, vou atrás, amor.

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No dia seguinte, Matias levantou antes dos galos e iniciou a pesquisa na internet. Queria entender melhor o mercado de panificação antes de meter as caras. Aparentemente, para o caso específico de produzir focaccias, havia uma estrada livre, era acelerar até a tábua.

Na semanas subsequentes passou a pensar nos possíveis sabores. Precisaria ofertar os mais conhecidos e solicitados: alecrim com flor de sal, tomate e manjericão com azeitonas pretas. Mas por que não diversificar? Nos bons tempos de CLT, quando visitou a Itália, ficou inebriado com tanta variedade. Focaccia era, como dizem os poloneses sobre a vodca: "pra fazer, basta um banquinho."

A de cebola à genovesa, as de queijo de Recco ou as populares focaccias de uva, preparadas artesanalmente à época da colheita nacional. Sim, as chances de emplacar um empreendimento próprio eram maiores do que podia supor sua vã estratégia de negócio.

Reabriu uma antiga empresa que registrara na Junta Comercial em 2009 para fazer uns bicos como engenheiro, buscou um ponto amplo e central onde coubesse o forno industrial, contratou padeiro e atendente.

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A ideia inicial era ser apenas um delivery. Para começar, ele mesmo entregaria os pedidos. Talvez agregasse um charme a mais o próprio dono aparecer nos domicílios com pacotes às mãos. Aprendera isso no curso de capacitação em pequenos negócios que fez no Sest Senat.

A loja estava estruturada. Os sabores elencados - incorporara ainda a Barese, com tomate holandês e azeitonas. Os dois funcionários contratados e treinados. Usaria a Vespa do cunhado para as entregas. Para realizar o grande sonho, agora só faltava o nome e a logomarca que ostentaria na fachada. E, claro, os cartões sociais.

Após um fim de semana queimando as pestanas veio o insight: o negócio chamaria-se Dom Barese, em homenagem à focaccia que acabara tornando-se a favorita da família (que funcionou como mercado-teste).

As portas da Dom Barese abriram-se numa segunda-feira de um cálido e verdejante maio. Uma pequena superstição do proprietário, que adora o mês da poesia e das flores para tomar novos rumos na vida.

Mas curiosamente, as coisas não foram assim tão líricas para a focacciaria. Antes do final do primeiro quarter, a Dom Barese faliu.

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E Matias está novamente em busca de novos desafios.

 

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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