Foto do(a) blog

Vitória Régia é figurinista de novelas, teatro e cinema. Formou-se estilista em São Paulo, estudou moda no Istituto Marangoni, em Milão, e na Central Saint Martins, em Londres, e roda o mundo em busca de inspirações para sua consultoria de estilo, a

Sangue, cristais e muita poeira: quem levará o Oscar de melhor figurino neste ano?

PUBLICIDADE

Por Vitória Régia
Atualização:

Do romantismo francês no século 19 a uma Austrália futurística e apocalíptica, passando pela Nova York dos anos 50, a Dinamarca dos 20 e um inóspito oeste americano de 200 anos atrás, os cinco indicados ao Oscar 2016 de melhor figurino são interessantíssimos - e muito diferentes. Em comum, todos são parte essencial das tramas, nos levando para diferentes épocas, contextos e emoções. E enquanto não sabemos o vencedor, que será anunciado na noite de próximo domingo (28), em Los Angeles, vale dar uma zapeada por cada um deles.

PUBLICIDADE

A Nova York dos anos 50 Em Carol, de Todd Haynes, Cate Blanchett vive uma mulher que traz em seu visual impecavelmente elegante a sobriedade herdada dos anos 40, em peças de corte rente ao corpo e tecidos fluidos, vestidos e saias lápis de seda sob glamurosos casacos de pele. Acessórios como casquetes e luvas reforçam o seu poder econômico e o peso de uma sociedade tradicional capaz de sufocá-la.

Carol vive um turbulento processo de divórcio e luta pela guarda da filha em meio ao despertar de um romance com outra mulher, a jovem Therese.

Therese, por sua vez, trabalha em uma loja de departamentos e carrega a casualidade dos beatniks: nas calças e nos coletes, no mix de texturas e sobreposições de vestido sobre suéter. A geração beat - dos artistas, intelectuais e escritores como Jack Kerouac, donos de um discurso e comportamento de não-conformismo e de luta pela liberdade sexual - ganhou força em meados dos anos 50 e serviu de embrião para o movimento hippie duas décadas depois. Em tempo: Blanchett também concorre ao Oscar de melhor atriz.

Figurinista: Sandy Powell, que também concorre com Cinderella. Já ganhou o Oscar três vezes: Shakespeare Apaixonado (1999), O Aviador (2005) e A Jovem Rainha Vitória (2009).

Publicidade

Carol / Foto: Divulgação

 

Therese / Foto: Divulgação

 

A Dinamarca dos anos 20 O figurino no filme A Garota Dinamarquesa, de Tom Hooper, está intrinsecamente ligado às questões de gênero do personagem central, interpretado por Eddie Redmayne, vencedor do Oscar de melhor ator no ano passado por Teoria de Tudo. Ele inaugura a história com um figurino rígido masculino, entre colarinhos engomados e muita alfaiataria. Ao posar como modelo feminino para sua esposa Gerda, também pintora, se descobre mulher em sua essência. A metáfora é vivida em uma cena delicada e lindíssima: o toque suave dos tecidos desperta questões que estariam adormecidas no íntimo do personagem.

O rapaz Einar Wegener, então, passa a ser Lili Elbe. E a medida que vai conquistando conforto em sua nova pele, o figurino ganha total amplitude e fluidez na moda dos anos 20: o espartilho já havia sido abolido por Paul Poiret e a tendência do orientalismo muito forte na época é trazida em peças amplas e quimonos.

Figurinista: Paco Delgado, que também assinou o figurino de Os Miseráveis, indicado ao Oscar de melhor figurino em 2013, e de A Pele que Habito (2011).

A Garota Dinamarquesa / Foto: Divulgação

Croqui de Paco Delgado para A Garota Dinamarquesa / Foto: Divulgação

 

Conto de fadas romântico

Revisitado, Cinderella, de Kenneth Branagh, vem temperado, sobretudo, pelo figurino da madrasta, vivida por Cate Blanchett (ela de novo!), que encarna uma perfeita fashionista atual mesclando um pouco da moda do século 19. Tafetás em peças coladas ao corpo e tons vibrantes marcam um shape estruturado e a personalidade dura e má da vilã. As irmãs postiças vestem-se como gêmeas e trazem em seus trajes duplos o cafona e o supérfluo. São a imagem mais caricata do fútil: figurino feito para odiá-las desde o primeiro instante.

Publicidade

Já Cinderella (Lily James) traz o tão esperado figurino de princesa levado às últimas consequências - o vestido traz um lindo movimento em muitas camadas de seda azul-celeste sobre brilho furtacor, com aplicação de cerca de 10 mil cristais Swarovski. E como em Hollywood it's all about business, o sapatinho perdido foi lançado em tiragem limitada a 400 pares - ou melhor, 400 pés pois o colecionador leva apenas o pé perdido-pela mesma Swarovski ao custo de 1.395 libras, ou cerca de 8.300 reais.

Figurinista: Sandy Powell, que também concorre com Carol. Já ganhou o Oscar três vezes: Shakespeare Apaixonado (1999), O Aviador (2005) e A Jovem Rainha Vitória (2009).

A madrasta de Cinderela / Foto: Divulgação

Cinderela / Foto: Divulgação

 

Desgraça pouca é bobagem

Deve ter sido um desafio e tanto desenvolver os figurinos do incômodo O Regresso, do mexicano Alejandro G. Iñárritu. O drama conta a história real do explorador Hugh Glass (Leonardo DiCaprio), que em 1820 se viu abandonado por seu comparsas durante uma caçada no meio do nada durante o rígido inverno no oeste americano. O uso de muitas camadas de peles de animais vão sendo somadas a toneladas de lama e sangue ao longo da trama. É de embrulhar o estômago.

Também vale destacar o figurino dos inimigos: os selvagens vestem cabeças com chifres dos animais caçados por eles. Mas a melhor cena é definitivamente o momento em que Hugh entra dentro de um cavalo morto para se proteger do frio: repulsa, morte, instinto de sobrevivência, pele, proteção, roupa, casa... Em uma única cena dá para levantar diversas questões diante das sensações experimentadas ali.

Publicidade

Figurinista: Jacqueline West, que também fez O Curioso Caso de Benjamin Button (2008) e Água para Elefantes (2011).

O Regresso / Foto: Divulgação

Feios, sujos e malvados

O figurino do novo Mad Max: A Estrada da Fúria, dirigido por George Miller (o mesmo dos outros três longas), impressiona por seu aspecto superutilitário e empoeirado, feito de materiais reutilizados que visam proteger os guerreiros em uma eterna batalha por água, combustível e comida num planeta inóspito e já escasso de matérias-primas. Em meio a esse caos, a linguagem falada é a da brutalidade. Tons neutros e terrosos, algodão e couro, fivelas, ilhoses e ombreiras em matelassê predominam nos figurinos que mais parecem trajes de uma apocalíptica guerra.

Essa paleta suja e brutal é contrastada pelo time das The Wives, as cinco esposas fugitivas vestidas com pequenas tiras de tecidos quase brancos, levemente sujos e sobrepostos por cinturões de castidade em metal. A delicadeza aprisionada é a perfeita imagem do fim dos tempos, mas ao desenrolar da história algum otimismo ressurge. ;)

Figurinista: Jenny Beavan, que assinou também os figurinos de O Discurso do Rei (2010), Sherlock Holmes (2009) e Razão e Sensibilidade (1995)

Publicidade

Mad Max / Foto: Divulgação

As esposas fugitivas de Immortan Joe em Mad Max / Foto: Divulgação

 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.